quinta-feira, maio 27, 2004

Das mulheres

Os mais críticos que me perdoem, mas o texto de Affonso Romano merece uma releitura...

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A Mulher Madura

O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

O texto extraído do livro "A Mulher Madura" - Affonso Romano de Sant'Anna, Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1986.




quarta-feira, maio 19, 2004

Tempo

A vida são deveres, que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são seis horas !
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, passaram-se 50 anos !

Agora, é tarde demais para ser reprovado...

Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.

Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas...

Dessa forma, eu digo: não deixe de fazer algo que gosta devido à falta de tempo. A única falta que terá, será desse tempo que infelizmente não voltará mais.

Mário Quintana


quinta-feira, maio 13, 2004

Olhando para a frente

..........Carta a uma pessoa querida, num momento difícil..........

Uma doença grave é uma luta para a qual nunca estamos preparados, nem devemos estar.

Há muitas outras provações na vida, mas certamente as mais duras são a perda de pessoas muito queridas e as doenças graves.

Agora posso te dizer com certeza, e com conhecimento de causa, que essa provação não pode inclur nem desânimo nem falta de fé, senão a carga fica maior que você pode suportar.

Nesses momentos o desânimo é o golpe de misericórdia que nos leva a desabar quando a paulada é grande.

Todos nós temos nossas fraquezas e com certeza vacilamos diante de provações.

A fé é um poderoso recurso para buscarmos o ânimo e a energia imprescindíveis para seguir em frente.

Não estou falando da fé cega.

Esta faz muito bem, mas poucos são os que conseguem ter uma fé cega e inabalável.

Falo da fé humana, da fé que surge da fragilidade, da sensação de desamparo, que pede ajuda, que se deixa ajudar, que roga a Deus mais energia porque já não pode encontrá-la mais em si mesmo.

Essa fé é confortante e pode fazer uma enorme diferença para você.

Então nem de longe pense que Deus te abandonou.

Talvez você tenha se abandonado um pouquinho, como uma criança que se desgarrou da mão da mãe na estação do metrô, mas que mesmo com medo, acredita que vai encontrá-la.

Não deixe de rezar e acreditar. Não deixe de fazer planos, de se envolver nos acontecimentos, de escrever (com lap top, á mão), de ler, de pensar e de sonhar. No hospital faça planos de leitura, de filmes a ver. Peça um walkman para ouvir musica. Olhe revistas de decoração e pense em como seu quarto em casa ficaria bem se você trocasse a cor.

Faça planos com datas marcadas e planeje de verdade como vai viabilizá-los. Se você não tem recursos para viabilizá-los inclua nos seus planos como conseguir os recursos. E se aferre a esses sonhos.

Não aceite “se”.

O “se” pode te fazer mais mal que esse novo tumor que será extraído em breve.

Acredite com todas as forças de que dispõe e quando achar que está fraquejando peça ajuda a Deus com vontade.

A frase clássica que diz que “a fé remove montanhas” tem todo sentido porque a fé movimenta a sua vontade que por sua vez arrebanha uma poderosa energia dentro de você.

O medo paralisa e tem foco na sombra. A fé impulsiona e tem foco na luz. A fé pode ser traduzida como uma vontade firme de superar, de atravessar o vale escuro, de vencer a provação.

Desejo a você toda a coragem do mundo, e uma dúzia de pessoas queridas que tornem essa etapa de sua vida mais suportável.

Todo o meu carinho para você.




Henri Cartier-Bresson
Sifnos 1961

segunda-feira, maio 10, 2004

Fraquezas

Cada encontro está carregado de perda. Ou de perdas. Ou é invadido por uma inexplicável melancolia. O encontro humano é tão raro que mesmo quando ocorre, vem carregado de todas as experiências de desencontros anteriores. Cada desencontro é perda porque é o oposto do que teria sido uma possibilidade de afeto.

É a experiência de desencontros que ensina o valor dos raros encontros que a vida permite.

Mas por isso ou por aquilo, cada encontro está carregado de perda. E no ato de sentir-se feliz associa-se a idéia do passageiro que é tudo, do amanhã cheio de interrogações, da exceção que aquilo significa. A partir daí, uma tristeza muito particular se instala.

Há sempre uma despedida em cada alegria. Há sempre um E depois? após cada felicidade. Há sempre uma saudade na hora de cada encontro. Antecipada."

Que intenso é o efeito que a coleção de encontros e desencontros que acumulamos na vida tem sobre a nossa personalidade, a forma como nos relacionamos com as pessoas e como interpretamos as diversas atitudes das pessoas importantes para nós.

Durante a vida, enquanto adquirimos maturidade, bens, conhecimentos, títulos, peso, cabelos brancos, também armazenamos perdas. Perdemos pessoas importantes, algumas pela inevitabilidade da morte, outras porque simplesmente abandonamos ou nos abandonaram. Aos poucos vamos nos distanciando da imagem da juventude, cada vez mais idealizada e distante do que nos mostra o espelho.

Desistimos de sonhos e crenças, soterramos a maior parte das nossas expectativas de carinho sob muita praticidade e um jeito mais moderno de ser; aprendemos a censurar a gargalhada espontânea, a nossa ingenuidade e pureza, a resposta rápida e sincera, a pergunta pessoal e como conseqüência perdemos a naturalidade.

Obrigados a criar defesas, procuramos esconder a fragilidade da criança sob a aparência do adulto e nos tornarmos sérios, práticos, professorais, ajuizados e, finalmente conseguimos perder a nós mesmos.

Somente em raros momentos de descontração, em situações que consideramos seguras, conseguimos ser livres e passar por cima da autocensura. Por instantes, somos autênticos. É que não é fácil correr o risco de ter nossas palavras mal interpretadas, acostumados a expor nossas forças e a esconder nossas fraquezas.



Downtown, New York, USA, 1947
Henri Cartier-Bresson
Não resisti e copiei do site Et Alors



domingo, maio 09, 2004

Uma mulher e tanto

Dia das mães é mesmo um dia especial.

A começar pela dificuldade de se encontrar uma mesa vazia em um restaurante.

É que no dias das mães ninguém quer sentir o desconforto de ser servido pela homenageada, como em todos os outros dias do ano.

Se estou passando a sensação de um protesto pelos outros 364 dias, convém esclarecer que não é esta a intenção. Até porque sou da velha geração, que leva a cerveja ou a taça de vinho para o marido na sala de televisão.

Não tive filhos homens, mas trato meu genro como se fosse meu filho e também para ele levo a bebida e o tira gosto sem que ele precise interromper o jogo para ir a cozinha.

Meu papel profissional não interfere em nada com o lado dona de casa.

Não importa em quantas cidades estive a trabalho, volto do aeroporto e vou direto para a cozinha preparar algum petisco que recompõem o sentimento de lar.

Tenho a sorte de pertencer ao grupo de pessoas que tem na mãe a inspiração e o modelo para seguir.
Aos 72 anos, minha mãe viajou sozinha em umas férias curtas para o Chile onde não conhece viv´alma.
Filha de familia pobre no interior de Goiás, D. Carmem passou a infância às margens do Paranaíba, em uma casinha de pau-a-pique.

Sem nenhum incentivo para isso, se afeiçoou aos livros, obtidos com dificuldade e lidos com a escassa luz de lamparina, sob as broncas do pai, preocupado com o consumo de querosene, coisa de luxo naquela época.

Aos 20 anos, seu primeiro parto foi de gêmeos, que morreram com menos de duas semanas de vida.
A próxima fui eu, doentinha e franzina. Nada parava no estômago da menina fragilzinha, sempre ameaçando ir seguir o mesmo caminho dos primogênitos. Apavorada, D. Carmem tentou de tudo para dar sobrevida ao seu bebê. A eficiência da alquimia utilizada me garantiu um estômago de ema, que tem na comida um fraco e tanto!

No total, oito filhos povoam a vida de D. Carmem, cada qual com sua série de filhos, garantindo à sua terceira idade (ai de quem falar em velhice) um séquito de convidados para os almoços de domingo.

Criatividade é com ela mesma. Precisa de uma nova televisão ou de uma nova mesa de almoço? Ao invés de pedir de presente, ela faz um almoço beneficente, e vende ingressos a preços de Fasano para interessados. Por que beneficente? Porque não é bonito "um almoço de arrecadação".

O coração grande não se contentou com os oito filhos. Em tempos muito difíceis adotou uma afilhada, que considera como filha e que morou conosco desde os quatro anos de idade.

Quando apresentei a ela meu candidato a marido, ela se afeiçoou por ele de imediato e o adotou também.

Passados quase trinta anos, posso afirmar com certeza que ela não o distingue de nenhum de seus filhos.

Preserva o amor pelos livros, que consome vorazmente, lendo uma média de três horas por dia, todos os dias. Ainda trabalha, de segunda a sábado, chefiando a produção de bolsas e sapatos finos. E ai de quem disser que ela deveria parar de trabalhar, ou de viajar.

É para essa mulher magnifica, um modelo e um exemplo para mim, que dedico esse dia.



sexta-feira, maio 07, 2004

Os signos atravessando a rua

Por que que o ARIANO atravessou a rua?
Certamente para bater boca com alguém que estava do outro lado.

Por que que o TAURINO atravessou a rua?
Porque encasquetou com a idéia.

Por que que o GEMINIANO atravessou a rua?
Se nem ele sabe, como é que eu vou saber?

Por que que o CANCERIANO atravessou a rua?
Porque estava se sentindo só e abandonado deste lado de cá.

Por que que o LEONINO atravessou a rua?
Para chamar a atenção, sair nos jornais, revistas, etc.

Por que que o VIRGINIANO atravessou a rua?
Ele ainda nao atravessou porque está medindo a largura da rua, a velocidade dos carros, se essa experiência é válida, qual seria a melhor hora de atravessar essa rua, etc.

Por que que o LIBRIANO atravessou a rua?
Ele nem precisou atravessar. Alguém acabou oferecendo carona para ele.

Por que que o ESCORPIANO atravessou a rua?
Porque era proibido.

Por que que o SAGITARIANO atravessou a rua?
Porque a idéia pareceu maneira e deu vontade.

Por que que o CAPRICORNIANO atravessou a rua?
Na verdade ele estava tentando se matar por atropelamento.

Por que que o AQUARIANO atravessou a rua?
Porque isso faz parte de uma experência que trará incontáveis avanços tecnológicos no futuro.

Por que que o PISCIANO atravessou a rua?
Que rua? Ih, é ....