sábado, junho 19, 2004

Os que escrevem e os que lêem

Outro dia li um post do Rafael Reinehr intitulado "Tem mais gente escrevendo que lendo".

De fato, tem ocorrido uma fantástica proliferação dos blogs, mesmo se excluirmos os diários adolescentes e pensarmos somente naqueles com temas que valem a pena ser lidos.

A leitura do post me levou a refletir um pouco sobre o dilema escritores x leitores, sem nenhuma análise quanto à qualidade do conteudo.

Assim, me parece que há realmente uma relação muito direta entre a quantidade de pessoas que escrevem e as que lêem, e esse não é um fato recente.

Mas a questão tomou outra dimensão, e só veio á tona, depois que a barreira de publicar caiu por terra, derrubada pela facilidade e simplicidade de publicar via blog.

A diferença é que as pessoas que escrevem porque é vital para elas, sempre o fizeram e continuam a fazê-lo, seja nos cadernos á la Proust, seja nos blogs de hoje.

Em paralelo, há um universo de pessoas, em cuja categoria me incluo, que gosta mais de ler e, ás vezes arrisca algumas linhas, sem qualquer pretensão que não um diálogo com meia dúzia de amigos.

Assim, uma grande maioria de blogueiros publicam esporadicamente sua visão de mundo e usam os blogs como mecanismo de relacionamento ou até de terapia. Até mesmo por essa razão são leitores de primeira linha.

Por outro lado, aqueles que escrevem porque está no DNA, encontram nessa multidão de publicadores eventuais um público assíduo, pronto a compartilhar e a quebrar o antigo vale existente entre o escritor e seu público.

Além disso, o escritor e o leitor agora não estão sujeitos á ditadura do mercado das editoras como ocorre hoje na música. Será fantástico quando esse fenômeno se repetir na música, pois não seremos obrigados a ouvir somente o que o mercado fonográfico nos impõe, com critérios que permitiram que o pagode afogasse a música brasileira de qualidade.

Com os blogs, as pessoas de talento que não tinham nenhuma forma de fazer chegar aos leitores a sua produção, têm agora o meio para fazê-lo. Do lado leitor, o volume dificulta um pouco achar as pérolas que estão disponíveis.

É um fantástico equilíbrio, com um potencial multiplicador ainda desconhecido pois os blogs ainda são de acesso muito restrito, pois muitos leitores e escritores não estão ainda nesse círculo.

São comuns os blogs com mais de mil visitantes por mês entre os que costumo visitar. É um volume de leitores nada desprezível. Quantos livros de estreantes vendem essa proporção?

É por isso que acredito que enquanto proliferam os que escrevem, numa proporção bem maior se multiplicam os que lêem.


A Leitora - Auguste Renoir
Musée d'Orsay, Paris

quinta-feira, junho 17, 2004

Amigos de verdade

Eles entraram na nossa vida aos poucos, muito lentamente.

Sempre os achamos muito simpáticos, mas não somos de aproximação fácil, assim, por muito tempo, nos mantivemos à pouca distância mas sem chegar muito perto.

Na quinta série, Cecília conheceu a Juliana, que muito rápido se tornou a melhor amiga. Os constantes contatos motivados pela amizade das nossas filhas, por anos a fio, criou um convívio típico de pais, que só conversam sobre destino e horários dos filhos.

Quando as meninas foram para o segundo grau, conversamos mais proximamente para compartilhar as visões sobre a melhor escola para elas. Daí para frente os contatos foram se intensificando.

No Reveillon de 2002 fomos juntos em Caldas Novas e lá ficamos por uma semana, curtindo as delícias das águas quentes e uma honesta champagne á beira da piscina. E, fato inesquecível, consumimos a modesta quantia de 200 unidades de bolinhos de arroz com queijo.

Uma semana foi mais que suficiente para descortinarmos melhor a personalidade dos nossos amigos e nos tornarmos bem proximos.

Assim, descobrimos na Lueli um bom gosto nato, associado a um equilibrio e bom humor infinitos. Excepcional na cozinha, faz uma torta de limão que nenhum mortal pode esquecer.

Elegante e refinada, consegue se mostrar de uma simplicidade inacreditável, além de ter um dom natural para decoração e para as plantas, em particular as orquídeas. Aprendo sempre com ela e com sua forma leve de ir fazendo acontecer.

No Chico descobrimos uma enorme vontade de aprender, de ler, de conhecer e de viver. Cheio de energia, gosta de ler, de conversar, de conviver, de viajar, de vinho, de cinema e de boa música.

Conservador em qualquer assunto ligado á família, consegue adotar rapidamente as novidades da tecnologia e ser aberto para descobrir outras formas de pensar.

Desde aquele fantástico reveillon não temos poupado oportunidades de estarmos juntos, em encontros onde um bom vinho nunca está ausente. São momentos muito agradáveis, que nos deixa com uma sensação de tempo bem aproveitado, de prazer mesmo.

Ao ler a carta que ele publicou como despedida do seu blog, fiquei emocionada com a sensibilidade e grandeza de espírito do Chico.

Assim pensei que eu, blogueira bissexta que publica muito esporadicamente, talvez pudesse interceder para que ele mantivesse o Tempo Destino, pois vai chegar uma hora que vai ser bom compartilhar um texto, uma imagem, uma emoção.

E também dizer que eles fazem a diferença, pois sem nos darmos conta foram aos poucos participando de nossa vida e a tornando melhor.

E que é muito bom ter amigos como eles...

domingo, junho 13, 2004

Tardes de Outono

Há dias que são absolutamente perfeitos. Tudo aconteceu da melhor forma possivel, com todos os ingredientes possíveis de alegria.

Porque ainda assim a tristeza nos visita?

Assim, sem mais nem porque, sem pedir licença, sem marcar visita, sem bater á porta.

Simplesmente chega e se instala. Não veio para uma longa temporada pois não veio com mala.

Pelo jeito é uma visita passageira, dessas tão comuns nos domingos á noite, que há tempos não aparecia.

Não veio trazida por um problema do passado, por uma perda ou por uma lembrança.

Veio misturada no por de sol em tons alaranjados, tomou corpo no chá de hortelã e se instalou com a música Sweet Memories de Ray Charles.

Não é dessas tristezas que pesam na alma, que subjugam o corpo, que vergam os ombros.

É um sentimento que se instala aos poucos, sorrateiro e insidioso, uma espécie de visgo que se cola á pele como o sereno frio da madrugada. De início nem parece real mas com o tempo dá a impressão de chegar aos ossos.

Instalado como está, esse sentimento tristeza é quase uma assinatura de contraponto ao latido alegre do nosso Collie Balzac, incansável na sua eterna e inútil missão de perseguir helicópteros e boeings, que, imagino, são para ele riscos terríveis á segurança da casa.

Tentei resistir um pouco à essa velha conhecida. Tenho muitos truques para mantê-la á uma distância segura.

Mas mudei de idéia.

Talvez devesse mesmo fazer esse exercício de outono, de perder as folhas a ponto de chegar na nudez dos galhos.

De olhar com mais pausar para tudo o que me rodeia com lentes mais amenas, não de quem organiza mas de quem percebe.

De olhar devagar e demoradamente ao contrário da visão en passant de sempre.

De mergulhar nos sentimentos sem precisar abrir nenhum armário de lembranças.

Quase um "Let it be".

Por que não?