domingo, outubro 02, 2005

De chuvas e ciclos


Pela janela vejo as folhas das árvores cairem às dúzias sacudidas por um vento forte. Olho para um céu ameaçador carregado de nuvens muito escuras, anunciando tempestade daquelas.

Não tenho medo, ao contrário. Sempre gostei das tempestades. Sempre me pareceram uma demonstração de força da natureza, uma forma de deixar claro quem tem a primazia num mundo em que os humanos parecem ter controle de tudo. De vez em quando a natureza se encarrega de nos obrigar a reconstruir, talvez para nos lembrar de não destruir.

Quase seis da tarde. Os tons cinza chumbo me obrigam a acender algumas luzes. Será a primeira grande chuva da temporada. Ainda não testamos a qualidade do telhado nem o escoamento de aguas da chuva na nova casa. Espero não ter nenhuma surpresa.

No cerrado, as chuvas terminam em abril e recomeçam em setembro. Às vezes começam de mansinho, um chuvisco de nada. Ou esperam um dia muito abafado como o dia de hoje para fazer uma estréia triunfal, digna de uma ópera de Wagner. Em Goiania nunca temos inundações pra valer. Há muita área permeável e estamos longe de rios. Temos uns riachinhos de nada, que ás vezes até dão trabalho, mas não passa disso.

Então a chuva tem sempre um sentido positivo, de fecundidade, de oposição ao período da seca. Gosto de ver as gotas caindo. Quando criança ficava com o rosto colado na janela olhando para toda aquela água caindo com força. Á noite, gostava de ver os raios e os imaginava muito importantes para se fazerem anunciar com tanta pompa pelos trovões.

Pela manhã, o céu azul convidava a inspecionar as formigas, que no dia seguintes ás grandes chuvas de setembro, apareciam com asas e infernizavam a vida de minha mãe, que tinha que varrer as asas perdidas e espalhadas por toda a casa.

Ainda hoje não sei porque as formigas ganham asas nas noites de grande chuva...

Quando adolescente, um amigo querido me disse não gostar das tempestades. Ele as julgava um preço alto demais a pagar pelos dias de sol. Então dizia preferir todos os dias nublados. Na verdade, essa era uma forma de fugir de decepções, quase uma doutrina do tipo "melhor não ter para não perder".

Nunca consegui compartilhar desse sentimento. Os dias de sol trazem um encantamento às pessoas, às plantas e à vida. A chuva não é um preço a pagar. É um contraponto. Como ilusão e decepção. Esperança e lágrimas. Amor e abandono.

Como seria uma vida sem amores nem dissabores? Sem altos e baixos?

O cerrado é pleno de constrastes e de ciclos muito claros. Os mesmos campos que hoje estão ressequidos, semi mortos, soterrados sob um lençol de folhas secas, vão despertar após a primeira grande chuva e preencher a paisagem com um verde novinho, verde alvissareiro de folha recem nascida.

E em poucos dias tudo renasce sob o som estridente das cigarras, arautos infaliveis da primavera, trazendo à alma o sentimento de renovação, de recomeço, de novo ciclo...

quarta-feira, junho 22, 2005

Do adeus dos outros


Me impressionou profundamente o título do post do Milton: "o adeus dos outros" publicado há tempos atrás. O post aborda o tema "blogar or not" mas pende para um outro assunto de forte relevância, muitissimo humano e presente nas nossas vidas: persistir ou desistir.

Há muitos anos atrás li a frase: " A escolha traz em si uma perda" e pela primeira vez fui levada a pensar no "preço" de algumas escolhas que fazemos. Quando oscilamos entre desistir ou persistir não estamos fazendo mais que avaliar que preço estamos dispostos a pagar pela escolha de levar adiante um sonho, um afeto, um projeto, quando já não parece tão leve o fardo. Se estivesse leve não havia porque se questionar.

Raramente questionamos a leveza, o prazer, o afeto, a comunhão. Estas são fontes nas quais bebemos sempre com avidez. Questionamos o prazer dificil, o afeto raro, o sonho adiado, o projeto sacrificante, a aridez, a carência, a não sintonia.

E o que é "o adeus dos outros", senão uma prévia dolorida do nosso adeus, e uma forma terceirizada de reavaliar as escolhas que fazemos, e reiterá-las ou não. Ás vezes devemos perseverar, e de alguma forma encontrar forças para manter afetos, sonhos e projetos. Ás vezes devemos dizer adeus, ainda que olhando para trás...

E o meu mais novo aprendizado, fruto de algumas perdas de dificil reparação, me ensinou que existe ainda uma terceira alternativa: a de voltar atrás em algumas escolhas feitas, e, se a vontade for suficiente, ter coragem para retomar, reatar, reiniciar, reviver...

P.S. - Republicação para testar se o blog ainda está vivo


sábado, fevereiro 12, 2005

Cores do mundo interior

Como não tinha percebido antes?

Há uma cor para cada fase da vida, para a natureza e para as faces do mundo interior.

No inicio da vida adulta a descoberta do lilás: mistura equilibrada de rosa e azul claro, a combinação perfeita para definir o encontro do masculino e femino. Lilás nas cortinas e na cama. E a profunda busca de encontrar a alma irmã, o lado azul claro que me faltava...

Com vinte anos dominavam os tons das folhas dos plátanos em todas as suas variações definindo o estado de espírito da estação. O verde brilhante indicava os tempos com sol. Nas ruas de Porto Alegre, as folhas no chão indicavam que o semestre estava próximo de terminar, e com ele as temíveis provas da Escola de Engenharia.

Depois dos 30 anos a força do vermelho e do tons alaranjados orquestravam uma certa ode aos sentimentos contraditórios. Ás vezes nas roupas, o dominio das cores quentes predominavam nos conflitos interiores e na insana luta do cotidiano.

Perto dos 40 anos predominaram os tons amarelo queimado, como se aos poucos as chamas fossem cedendo lugar ao caramelo que passou a vestir as cadeiras e as camas da casa.

Numa fase já mais recente, pós 50, o branco e preto, simples, sóbrio, minimalista, passou a definir uma escolha de quem não quer se perder nos detalhes, pois não tem mais todo o tempo necessário para descobrir o mundo...

Como não tinha percebido antes?


sábado, fevereiro 05, 2005

O primeiro meio século

Zadig faz 50 anos


E o que posso fazer é tentar almofadar ainda mais a sua vida...