quarta-feira, janeiro 21, 2004

Do tempo

Nessa noite de chuvinha fina e temperatura amena em Goiânia, busco coragem no fundo da alma para renunciar a um cálice de vinho tinto. Tenho um preço a pagar na volta das férias e as calorias estão contadas. E numa noite de chuvinha fina, vinho e aconchego são gêneros de primeira necessidade.

Sempre gostei da chuva em todas as escalas, até mesmo as tempestades com raios e trovões e água torrencial. E há uma beleza selvagem na forma como o céu se carrega em tons ameaçadores, dando uma noção prévia do que virá pela frente. As tempestades sempre me pareceram uma demonstração de força da natureza, uma forma de nos relembrar quem é que manda, no frigir dos ovos.

Essa chuvinha fina me remete mais ao sentido de continuidade, persistência, constância. Quase uma modificação do sentido do tempo que toma uma velocidade diferente, mais lenta.

Olhando por um prisma mais amplo, me dou conta de que cinquenta verões se passaram diante dos meus olhos e com eles vários dias de chuvas finas ou tempestades teatrais. Nem todos fáceis. A maioria valendo cada gota de chuva.

E um novo janeiro inaugura um novo numerador.

"A sensação de tempo, como a da cor, é uma forma de percepção. Assim como não existe cor sem olho que a distinga, também um instante, uma hora ou um dia nada significam sem um evento qualquer que os marque. E assim como o espaço não passa de uma possível ordem de objetos materiais, também o tempo não passa de uma possível ordem de acontecimentos." Albert Einstein, nessa fantástica frase derramou mais conhecimento da alma humana que da física quântica.

Rápidos, nem sempre fáceis, os dias só têm a dimensão da sua real importância depois de vividos. Como os paralelepípedos de Proust, chave para uma viagem:
"... que é uma impressão do passado... e que só podemos conhecer quando preservada, pois no momento em que a vivemos, ela não se apresenta à nossa memória, mas ao centro das sensações que a suprimem".

Dito de maneira menos elaborada, o que vivemos aqui e agora consome atenção demais enquanto estamos vivendo, para que possamos avaliar o seu impacto, e requer tempo - esse enigmático componente - para fazer sentido no novelo de uma vida.

É assim que olho para esse janeiro, tão novo e ao mesmo tempo tão conhecido, emoldurado pelas mesmas janelas, pelas mesmas árvores que plantamos e ao mesmo tempo com tantos sonhos e expectativas dessa nova fase que se inicia.

Os bons verões, como as boas colheitas, são construídos na rotina das horas, na percepção das inúmeras oportunidades das pequenas alegrias.




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