quarta-feira, outubro 29, 2003

do Adeus dos Outros

Me impressionou profundamente o título do último post do Milton: "o adeus dos outros".

O post aborda o tema "blogar or not" mas pende para um outro assunto de forte relevância, muitissimo humano e presente nas nossas vidas: persistir ou desistir.

Há muitos anos atrás li a frase: " A escolha traz em si uma perda" e pela primeira vez fui levada a pensar no "preço" de algumas escolhas que fazemos. Quando oscilamos entre desistir ou persistir não estamos fazendo mais que avaliar que preço estamos dispostos a pagar pela escolha de levar adiante um sonho, um afeto, um projeto, quando já não parece tão leve o fardo.

Se estivesse leve não havia porque se questionar. Raramente questionamos a leveza, o prazer, o afeto, a comunhão. Estas são fontes nas quais bebemos sempre com avidez.

Questionamos o prazer dificil, o afeto raro, o sonho adiado, o projeto sacrificante, a aridez, a carência, a não sintonia.

E o que é "o adeus dos outros", senão uma prévia dolorida do nosso adeus, e uma forma terceirizada de reavaliar as escolhas que fazemos, e reiterá-las ou não.

Ás vezes devemos perseverar, e de alguma forma encontrar forças para manter afetos, sonhos e projetos.

Ás vezes devemos dizer adeus, ainda que olhando para trás...

E o meu mais novo aprendizado, fruto de algumas perdas de dificil reparação, me ensinou que existe ainda uma terceira alternativa: a de voltar atrás em algumas escolhas feitas, e, se a vontade for suficiente, ter coragem para retomar, reatar, reiniciar, reviver...





quinta-feira, outubro 23, 2003

Feriadão em Caldas Novas

Goiânia faz 70 anos amanhã, dia 24 de outubro.
Essa linda jovem senhora me traz de presente um feriado na sexta feira, coisa rara este ano, e assim posso ir para Caldas sem um pingo de culpa. E já no final da tarde, alí pelas sete horas, estaremos com agua quente até o pescoço e com champagne gelada no copo. É ruim?

Os blogs estarão recebendo novos e inspirados posts, redigidos deste lugar adorável, uma espécie de preview do paraíso, se a taxa etílica permitir...

E como dizia minha filha mais nova na decolagem do avião: Lá vamos nós !!!!



quarta-feira, outubro 22, 2003

Antiguidade

Cora Coralina


Quando eu era menina
bem pequena,
em nossa casa,
certos dias da semana
se fazia um bolo,
assado na panela
com um testo de borralho em cima.

Era um bolo econômico,
como tudo, antigamente.
Pesado, grosso, pastoso.
(Por sinal que muito ruim.)

Eu era menina em crescimento.
Gulosa,
abria os olhos para aquele bolo
que me parecia tão bom
e tão gostoso.

Era só olhos e boca e desejo
daquele bolo inteiro.
Minha irmã mais velha
governava. Regrava.
Me dava uma fatia,
tão fina, tão delgada...
E fatias iguais às outras manas.
E que ninguém pedisse mais !
E o bolo inteiro,
quase intangível,
se guardava bem guardado,
com cuidado,
num armário, alto, fechado,
impossível.

Era aquilo, uma coisa de respeito.
Não pra ser comido
assim, sem mais nem menos.
Destinava-se às visitas da noite,
certas ou imprevistas.
Detestadas da meninada.

Criança, no meu tempo de criança,
não valia mesmo nada.
A gente grande da casa
usava e abusava
de pretensos direitos
de educação.

Por dá-cá-aquela-palha,
ralhos e beliscão.
Palmatória e chineladas
não faltavam.
Quando não,
sentada no canto de castigo
fazendo trancinhas,
amarrando abrolhos.
"Tomando propósito".
Expressão muito corrente e pedagógica.

Aquela gente antiga,
passadiça, era assim:
severa, ralhadeira.

Não poupava as crianças.
Mas, as visitas...
- Valha-me Deus !...
As visitas...
Como eram queridas,
recebidas, estimadas,
conceituadas, agradadas !

(...)

Eu fazia força de ficar acordada
esperando a descida certa do bolo
encerrado no armário alto.
E quando este aparecia,
vencida pelo sono já dormia.
E sonhava com o imenso armário
cheio de grandes bolos
ao meu alcance.

De manhã cedo
quando acordava,
estremunhada,
com a boca amarga,
- ai de mim -
via com tristeza,
sobre a mesa:
xícaras sujas de café,
pontas queimadas de cigarro.
O prato vazio, onde esteve o bolo,
e um cheiro enjoado de rapé.



Cora Coralina é a grande poetisa do Estado de Goiás. Em 1903 já escrevia poemas sobre seu cotidiano, tendo criado, juntamente com duas amigas, em 1908, o jornal de poemas femininos "A Rosa". Em 1910, seu primeiro conto, "Tragédia na Roça", é publicado já com o pseudônimo de Cora Coralina. Seu marido a proíbe de integrar-se à Semana de Arte Moderna, a convite de Monteiro Lobato, em 1922. Em 1965, lança seu primeiro livro, "O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais". Em 1976, é lançado "Meu Livro de Cordel". Em 1980, Carlos Drummond de Andrade, como era de seu feitio, após ler alguns escritos da autora, manda-lhe uma carta elogiando seu trabalho. Em 1983, seu novo livro "Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha", é muito bem recebido pela crítica e pelos amantes da poesia. Em 1984, torna-se a primeira mulher a receber o Prêmio Juca Pato, como intelectual do ano de 1983. "Estórias da Casa Velha da Ponte" é lançado pela Global Editora. Postumamente, foram lançados os livros infantis "Os Meninos Verdes", em 1986, e "A Moeda de Ouro que um Pato Comeu", em 1997, e "O Tesouro da Casa Velha da Ponte", em 1989. Morre em 1985 com 96 anos. Sua casa faz parte do conjunto arquitetônico tombado pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade.



A casa da Ponte, em Goiás Velho, onde Cora Coralina viveu a maior parte de sua vida.



terça-feira, outubro 21, 2003

Breve resposta para Milton

Não, não verás aqui blogs literários.

Aqui, os temas são os amores, os sabores e a falta deles, estes sim, ingredientes e motivo de boa literatura.

Se o mundo está dividido entre os que escrevem e os que lêem, pertenço ao último grupo. Crítica literária é especialidade do Zadig, consumidor ávido e poeta de primeira linha.

Conheço mais da alquimia do fogo, que tranforma carne em prazer, que produz cheiros que devassam a alma em busca de lembranças perdidas, que revela texturas inacreditáveis que nos fazem fechar os olhos e respirar fundo.



E quando quieta e pensativa, as imagens dos livros e filmes me vêem como um recurso para compreender a vida e as pessoas, traçar paralelos entre a ficção e o cotidiano que me cerca, uma espécie de ilustração privativa, só minha, no máximo compartilhadas com os amigos dos blogs.



E que delicia de diálogo virtual, onde cada insight se completa no desejado comentário do amigo, cada um merecedor do melhor da sua atenção...

Não, não espere de mim blogs sobre literatura, e sim reflexões sobre a vida e as pessoas. Mas espere sim que eu aguarde ansiosa as publicações dos amigos, incluindo os blogs literários, lidos com enorme prazer nas pequenas janelas de tempo livre que a profissão impõe, o seu entre os mais desejados.

sábado, outubro 18, 2003

Balzac e Manon




Balzac entrou na nossa vida por acidente.

Há seis anos atrás Princesa, a gata da casa, morreu afogada na piscina, pois um acidente a deixara cega emeio incapacitada. Era uma persinha puro sangue, de um cinza azulado, oficialmente tida como de cor fumaça, olhos cor de cobre e de uma beleza rara. Tinha a personalidade de acordo com seu nome. Era mesmo uma Princesa, no porte, na postura e na preguiça, como quem sabia que a comida apareceria em seu prato a tempo e hora.

Cecilia, à época com 12 anos, abriu a janela no domingo de manhã e viu boiando um objeto peludo. Pressentindo o desastre, saiu correndo e gritando. Tarde demais.

Aquele domingo transcorreu com olhos vermelhos e fungados de toda a família. Ainda por cima o Beto ia para Manuas a trabalho naquela noite, ficando fora toda a semana.

Na segunda feira, as lágrimas de Cecília e Maíra se juntaram aos suspiros da Sônia, nossa secretária há mais de dez anos.

Para acelerar a mudança de astral pensei num plano simples: comprar um outro filhotinho. No horário de almoço vasculhei o jornal de cabo a rabo e nada de filhotes de gato. Várias ligações para lojas especializadas sem sucesso. Duas horas depois e já sem esperanças concluí que pouca gente compra e vende gatos, só há disponibilidade de filhotes de cachorro, pelo menos em Goiânia. De repente me passou uma idéia louca pela cabeça: e se fosse um cachorrinho? Desde que fosse educado e bem comportado, seria uma experência nova e interessante numa casa que, até então, só abrigara felinos.

O veterinário, nosso amigo que ajudara a salvar a vida de Princesa quando do acidente que a deixou cega, recomendou procurar um filhote da raça Collie.

Foi assim que ele chegou em casa: fofinho, moleque, alegre, um encanto. O nome foi escolhido rapidamente: Balzac. Nome curto, fácil de pronunciar e representativo para toda a família. Em pouco tempo se tornou o filho mais novo e o centro das atenções de todos na casa. Educadíssimo e obediente, nunca deu trabalho. Respeita os limites estabelecidos apesar da carência ancestral. Se humilha sem nenhum pudor se for por um agrado ou afago. Tosse como um condenado com a fumaça de charuto que, ocasionalmente, é obrigado a suportar para ficar ao lado do dono.

E agora, também por acidente, Manon vai entrar na família. Vira lata de raça pura, preta e branca, tem os olhos mais doces que uma gatinha pode ter. Sem lenço e sem documento, é filha de uma gata de rua, mendiga. Não tem mais que um mês de vida, e terá que se defender de eventuais ataques de ciúme do Balzac, não muito amigo de felinos, pássaros e aviões, que ele crê que tem obrigação de afugentar com latidos fortes e ameaçadores.

quarta-feira, outubro 15, 2003

dos Prazeres da Mesa

Chego de São Paulo com uma séria avaria na coluna, prêmio por carregar o lap-top toda a tarde, incluindo três horas de aeroporto em virtude dos tradicionais atrasos dos vôos do final do dia.

Dificil sentar e levantar. Ou fico só sentada, ou só em pé. A massoterapeuta recomendou cama. A dor incomoda, mas não chega a impedir os movimentos. A pilha de compromissos assumidos me manda ir para empresa.

Entre uma escolha e outra, vence a empresa, até porque nessas circunstâncias não há nenhum possibilidade de prazer na cama, mas dá pensar seriamente no prazer da mesa. Encomendo um pré-preparo de um pequeno pedaço de bacalhau a ser feito desfiado com cebolas, batatas, azeitonas, ervas e carinho.

A noite, reservo meia hora para preparar um arroz branco, soltinho, com leve nuance de alho. A família de meu pai, de origem italiana, acreditava que não saber cozinhar era motivo suficiente para deserdar uma filha.

Do lado da minha mãe, a preparação de arroz branco e soltinho sempre foi ponto de honra. A lei da casa é que arroz que se preze pode ser apreciado puro, sem nenhum complemento.

O teste das canditadas a esposas de meus seis irmãos era fazer um arroz a ser apreciado pela dona Carmem, minha mãe, pessoa de grande coração e pronta para o perdão, exceto em questões culinárias.

Cercada à direita e à esquerda, entrei nos anos 70 apta a pilotar um fogão, na completa contramão dos tempos. Nem mesmo a tendência liberalizante da outra colega na engenharia elétrica, éramos duas garotas entre 114 rapazes, conseguiu minimizar o efeito de anos de influência familiar.

Foi com todo o rigor exigido pelo prato que preparei o tal arroz branco, soltinho e fumegante, orgulho de família, enquanto meu companheiro servia poemas de Augusto Meyer e concerto de Tchaikóviski.

Servidos o arroz e o bacalhau, devidamente escoltados por um vinho decente e acessível, fiquei pensando em como os prazeres da mesa são relevantes.

Na escala de importância da maioria dos mortais, estão os prazeres da cama, seguidos de perto pelas delícias da mesa.

E quem melhor que Eça de Queiroz, que faço questão de transcrever, para retratar esse prazer excepcional?

“Em palácio algum, por essa Europa superfina, se come na verdade tão deliciosamente, como nas rústicas quintas de Portugal. Na cozinha enfumarada, com duas panelas de barro e quatro achas a arder no chão, estas caseiras de aldeia, de mangas arregaçadas, guisam um banquete que faria exultar o velho Júpiter, esse transcendente guloso, educado a nectar, o Deus que mais comeu e mais nobremente soube comer, desde que há Deuses no Céu e na Terra.

Quem nunca provou este arroz de caçoula, este anho pascal assado no espeto, estas cabidelas de frango coevas da Monarquia, que enchem a alma, não pode realmente conhecer o que seja a especial bem-aventurança, tão grosseira e tão divina, que no tempo dos frades se chamava a comezaina (...) E a quinta depois... oferece, mais que nenhum outro paraíso humano ou bíblico, o repouso acertado para quem emerge, pesado e risonho, deste arroz e deste anho”


domingo, outubro 12, 2003

Do final de domingo

Quase dezoito horas de domingo. O final de semana perfeito, exceto pelos garantidos kilos a mais, começa a se despedir em raios de sol amarelados, que entram sem convicção pela janela, junto com um bando de muriçocas.

O locutor da Nostalgie anuncia a musica " Fio Maravilha" cantado em francês pela Nicoletta e garante aquele tom de voz meio final de domingo, até porque para ele já são onze horas da noite.

Penso nesse sentimento universal que nos acomete no final do domingo, no final do verão, no final da festa, no final das férias.

Acho que está ligado principalmente ao sentimento de "final". Aquele esvaziamento emocional antes de começar de novo. Sim, porque amanhã tudo recomeça, tão certo como o sol se porá daqui a pouco e reaparecerá amanhã cedinho.

Também me vem á cabeça uma frase do Luiz Fernando Veríssimo que adoro: "Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo."

Poderia acrescentar: para os finais de domingo, coragem...




quarta-feira, outubro 08, 2003

da Música Francesa

Cecília, meu bebê de 18 anos, que é também estudante de Engenharia na USP/São Carlos, esteve por aqui este final de semana e comentou sobre a beleza absoluta da música "Rive Gauche" de Alain Souchon.

E arrematou, perguntando porque não se acha discos do Souchon.

Pobre música francesa condenada ao mais absoluto ostracismo no Brasil depois do apartheid fonográfico, que definiu as regiões de domínio das grandes gravadoras.

No loteamento global, o Brasil ficou sob os auspícios da produção americana, com tudo o que isso tem de bom e de ruim. O lado bom é que qualquer loja de discos de bairro tem três ou quatro discos de John Pizzarelli, de Ella Fitzgerald e de Nina Simone.

No entanto, gerações inteiras desconhecem a existência de Francis Cabrel, Maxime Le Forestier, J. J. Goldman, Gerard Manset, Julien Clerc, Alain Souchon...

O contrário não é verdadeiro. Os franceses conhecem e adoram a música do mundo, com especial amor pela nossa. João Bosco, Chico Buarque, Djavan, Milton Nascimento são muito conhecidos por lá.

Experimente uma pesquisa no Google com respostas em francês para "Chico Buarque". São 1330 referencias. A mesma pesquisa em sites do Brasil para "Alain Souchon" traz 47 entradas, a maioria tendo como referências a embaixada francesa ou a Aliança Francesa.

Estava em um show do François Feldman no Casino de Paris, e fiquei pasma ao reconhecer a cantora que se apresentava num excepcional solo: Evinha, sim aquela linda voz do Trio Esperança de "Casaco Marrom" e "Cantiga por Luciana".

Nada a fazer contra o apartheid cultural, a não ser ouvir a Radio Nostalgie pela Internet e curtir com enorme prazer a voz de Francoise Hardy ou de Nicolas Peyrac.


terça-feira, outubro 07, 2003

da Ausência



Procurei o Aurélio na estante para indagar o exato sentido da palavra "Ausência", sem sucesso. Certamente ele está perdido entre os três mil livros que povoam essa biblioteca caótica, mantida sob um clima de desordem organizada por seu proprietário majoritário (e que não sou eu).

Minha ausência do blog: devo ter me sentado vinte vezes na frente do teclado, e preferido ler os blogs dos amigos, abrir o joguinho de cartas Spider e ouvir a radio nostalgie pela Internet. Essa é minha melhor receita de esvaziar a cabeça em dias atordoados.

Outro dia li de uma atriz famosa que ela se distrai das querelas do cotidiano lavando roupa no tanque. Cada um tem a sua receita para afastar as neuras.

Um tanque de roupas é demais, mesmo para mim, geração anos 70.

Prefiro ler os blogs dos amigos, onde aprendo a conhecer um pouco melhor a sensibilidade do Guiu, a emotividade do Milton, a erudição do Zadig, o humor do César, a simpatia do Marcos do Meia Pataca e por último o charmoso blog do meu queridissimo amigo Chico Sena, melhor anfitrião que conheci nos últimos anos.

De acordo com o Zadig, escrever para o blog é sentar e escrever e ponto. Deve ser assim mesmo para algumas pessoas. Nada de tecer teses de alta profundidade duas vezes por mês.

Acho que ele tem razão.

Assim, na ausência do dicionário, vamos simplificar e ir pela minha própria percepção da palavra Ausência: oposto de presença, sentimento de vazio, de incompletude. E por consequência da palavra Presença: sentimento de proximidade, de existência.

Ave César.