quarta-feira, setembro 17, 2003

DESEJO

Carlos Drumond de Andrade

Desejo a você,
fruto do mato,
cheiro de jardim,
namoro no portão,
domingo sem chuva,
segunda sem mau humor,
sábado com seu amor,
filme do Carlitos,
chope com amigos,
crônica de Rubem Braga,
viver sem inimigos,
filme antigo na TV,
ter uma pessoa especial,
e que ela goste de você,
musica de Tom com letra de Chico,
frango caipira em pensão do interior,
ouvir uma palavra amável,
ter uma surpresa agradável,
ver a banda passar,
noite de lua cheia,
rever uma velha amizade,
ter fé em Deus,
não ter que ouvir a palavra "não",
nem nunca, nem jamais adeus.
Rir como criança,
ouvir canto de passarinho,
sarar de resfriado,
escrever um poema de amor que nunca será rasgado,
formar um par ideal,
tomar banho de cachoeira,
pegar um bronzeado legal,
aprender uma nova canção,
esperar alguém na estação,
queijo com goiabada,
pôr-do-sol na roça,
uma festa,
um violão,
uma seresta,
recordar um amor antigo,
ter um ombro sempre amigo,
bater palmas de alegria,
uma tarde amena,
calçar um velho chinelo,
sentar numa velha poltrona,
ouvir a chuva no telhado,
vinho branco,
bolero de Ravel...
e muito carinho meu!



A partir de uma sugestão do Marcos, do blog Meia Pataca, que me disse que este poema do Drummond tem algo a ver com o post "De Cheiros e Lembranças"
  • Meia Pataca

  • segunda-feira, setembro 15, 2003

    De cheiros e lembranças

    Domingo de manhã, saí muito cedo para comprar frutas frescas e pão para o café da manhã. Era domingo de Fórmula Um e prometia ser uma corrida emocionante...

    Adoro os cheiros da padaria. Pão quentinho recém assado, pão de queijo, laranja fresca, sanduiches e café... Aquela hora da manhã esses cheiros são capazes de despertar os sentidos de um monge.

    Na frutaria esbarrei numa montanha de pêssegos organizados sobre uma banca, e isso fez cair umas três frutas. Meio sem jeito, apanhei os pêssegos no chão e os devolvi para a pilha bem organizada.

    Foram poucos segundos, mas foi o suficiente para sentir o cheiro forte dos pêssegos, e em segundos eu estava em Porto Alegre, final de ano, calor, e os pêssegos povoando de cheiros a Praça da Alfândega e a descida da Borges de Medeiros.

    Dezembro era mês de férias, e de Natal.

    Ás vezes sinto saudades de Porto Alegre...

    Não foi um período fácil da minha vida, estudando todo o dia na Escola de Engenharia e á noite fazendo um serviço imbecil: somar cheques das 8 da noite ás quatro, cinco, até seis da manhã. Saia do trabalho, lavava o rosto com água fria e ia enfrentar as aulas de Cálculo ou Eletrônica.

    No final do semestre o esforço era tamanho, que a imagem que me vinha à cabeça sobre minha luta era a do salmão enfrentando cachoeiras na contra corrente. Mais de vinte anos se passaram, mas as sensações parecem de ontem...

    Ainda com o cheiro de pêssego na mão eu dirigia de volta à casa, mas sem deixar de pensar no poder que alguns cheiros e sabores têm sobre nós.

    Impossivel não lembrar do fantástico romance "No Caminho de Swann", de Marcel Proust. A obra traz uma das mais famosas passagens da literatura, quando o narrador come uma "madeleine" molhada no chá e vê sua consciência mergulhar involuntariamente no passado.



    Ao sentir o sabor do bolo embebido no chá, ele é transportado para o passado, pois aquele era exatamente o mesmo gosto do pedaço de madeleine que a enferma tia Leonie lhe oferecia quando criança, na casa de Combray, cidade em que costumava passar as férias com os pais. Ao reconhecer o gosto da madeleine, toda Combray e seus arredores tomam forma e saem da taça de chá para o presente, vindo à tona junto com seus “eus” anteriores e todas as suas lembranças.

    A partir de Proust penso na própria cidade de Combray, onde chegamos de carro, vindos da Normandia, e conseguimos já no final da tarde uma visita sem guia ao museu de Proust, incluindo um jardim sombreado, onde uma florzinha tinho cheiro de dama da noite, forte o suficiente para enjoar meu estômago...

    Ainda a caminho de casa penso em tantos cheiros e sabores de nossa vida, vinculados a imagens do passado, sensações vivas, cheiros que são pura lembrança e emoção.

    E penso como é forte a associação entre bons momentos e os sabores e cheiros que os marcaram...



    Museu Marcel Proust em Illiers-Combray

    domingo, setembro 07, 2003

    Dos desencontros

    Cada encontro está carregado de perda. Ou de perdas. Ou é invadido por uma inexplicável melancolia. O encontro humano é tão raro que mesmo quando ocorre, vem carregado de todas as experiências de desencontros anteriores. Cada desencontro é perda porque é o oposto do que teria sido uma possibilidade de afeto.

    É a experiência de desencontros que ensina o valor dos raros encontros que a vida permite.

    Mas por isso ou por aquilo, cada encontro está carregado de perda. E no ato de sentir-se feliz associa-se a idéia do passageiro que é tudo, do amanhã cheio de interrogações, da exceção que aquilo significa. A partir daí, uma tristeza muito particular se instala.

    Há sempre uma despedida em cada alegria. Há sempre um E depois? após cada felicidade. Há sempre uma saudade na hora de cada encontro. Antecipada."

    Que intenso é o efeito que a coleção de encontros e desencontros que acumulamos na vida tem sobre a nossa personalidade, a forma como nos relacionamos com as pessoas e como interpretamos as diversas atitudes das pessoas importantes para nós.

    Durante a vida, enquanto adquirimos maturidade, bens, conhecimentos, títulos, peso, cabelos brancos, também armazenamos perdas. Perdemos pessoas importantes, algumas pela inevitabilidade da morte, outras porque simplesmente abandonamos ou nos abandonaram. Aos poucos vamos nos distanciando da imagem da juventude, cada vez mais idealizada e distante do que nos mostra o espelho.

    Desistimos de sonhos e crenças, soterramos a maior parte das nossas expectativas de carinho sob muita praticidade e um jeito mais moderno de ser; aprendemos a censurar a gargalhada espontânea, a nossa ingenuidade e pureza, a resposta rápida e sincera, a pergunta pessoal e como conseqüência perdemos a naturalidade.

    Obrigados a criar defesas, procuramos esconder a fragilidade da criança sob a aparência do adulto e nos tornarmos sérios, práticos, professorais, ajuizados e, finalmente conseguimos perder a nós mesmos.

    Somente em raros momentos de descontração, em situações que consideramos seguras, conseguimos ser livres e passar por cima da autocensura. Por instantes, somos autênticos. É que não é fácil correr o risco de ter nossas palavras mal interpretadas, acostumados a expor nossas forças e a esconder nossas fraquezas.




    Reflexões a partir de texto de Arthur da Távola e SLT

    terça-feira, setembro 02, 2003

    Das cores

    "cores do meu mundo...
    ...cores da minha vida!"



    Como não tinha percebido antes?

    Há uma cor para cada fase da vida, para as faces do mundo interior, e para a natureza.

    No inicio da vida adulta a descoberta do lilás: mistura equilibrada de rosa e azul claro, a combinação perfeita para definir o encontro do masculino e femino. Lilás nas cortinas e na cama. E a profunda busca de encontrar a alma irmã, o lado azul claro que me faltava...

    Os tons das folhas dos plátanos em todas as suas variações sempre definiram o estado de espírito da estação. Nas ruas de Porto Alegre, as folhas no chão indicavam que o semestre estava próximo de terminar, e com ele as temíveis provas da Escola de Engenharia.

    Na época, os irmãos Kleiton e Kledir, começavam a estrear seus primeiros passos na música, e Kleiton, meu colega de sala na Escola de Engenharia da UFGRS, chegava de olhos vermelhos, com cara de quem dormiu pouco. Tinhamos isso em comum: ele passava as noites em sonhos de música, e eu somava cheques numa fria sala da CEF.

    O resultado era o mesmo: ambos bocejando e com os olhos vermelhos, tentanto compreender as demonstrações de teoremas impostas pelo Cálculo III, que aos poucos ficavam distantes, remotas, impalpáveis... E a voz do professor ia tomando entonações suaves, melodiosas e que embalavam um cochilo duramente reprimido quando percebido. E tudo era meio pálido, em tons pasteis, de olhos com dificuldade para fazer a diferença entre as cores.

    O branco e preto, numa fase já mais recente, minimalista, de quem já sabe o que quer e não precisa se perder nos detalhes...

    Os tons de terra, como simbolo do aconchego, do carinho, do desejo de dividir. O amarelo do ipê, alegria isolada no mês de agosto.

    Cores do meu mundo... Cores da minha vida...



    Kleiton e Kledir
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    Trem das Cores
    Caetano Veloso

    A franja da encosta, cor de laranja
    Capim rosa chá

    O mel desses olhos luz
    Mel de cor ímpar

    O ouro ainda não bem verde da serra
    A prata do trem
    A lua e a estrela
    Anel de turquesa

    Os átomos todos dançam
    Madruga, reluz neblina

    Crianças cor de romã entram no vaguão

    O oliva da nuvem chumbo ficando pra trás da manhã
    E a seda azul do papel que envolve a maçã

    As casas tão verde e rosa
    Que vão passando ao nos ver passar
    Os dois lados da janela

    E aquela num tom de azul quase inexistente
    Azul que não há
    Azul que é pura memória de algum lugar

    Teu cabelo preto, explícito objeto
    Castanhos lábios
    Ou pra ser exato lábios cor de açaí

    E assim trem das cores
    Sábios projetos tocar na central
    E o céu de um azul celeste, celestial