segunda-feira, setembro 15, 2003

De cheiros e lembranças

Domingo de manhã, saí muito cedo para comprar frutas frescas e pão para o café da manhã. Era domingo de Fórmula Um e prometia ser uma corrida emocionante...

Adoro os cheiros da padaria. Pão quentinho recém assado, pão de queijo, laranja fresca, sanduiches e café... Aquela hora da manhã esses cheiros são capazes de despertar os sentidos de um monge.

Na frutaria esbarrei numa montanha de pêssegos organizados sobre uma banca, e isso fez cair umas três frutas. Meio sem jeito, apanhei os pêssegos no chão e os devolvi para a pilha bem organizada.

Foram poucos segundos, mas foi o suficiente para sentir o cheiro forte dos pêssegos, e em segundos eu estava em Porto Alegre, final de ano, calor, e os pêssegos povoando de cheiros a Praça da Alfândega e a descida da Borges de Medeiros.

Dezembro era mês de férias, e de Natal.

Ás vezes sinto saudades de Porto Alegre...

Não foi um período fácil da minha vida, estudando todo o dia na Escola de Engenharia e á noite fazendo um serviço imbecil: somar cheques das 8 da noite ás quatro, cinco, até seis da manhã. Saia do trabalho, lavava o rosto com água fria e ia enfrentar as aulas de Cálculo ou Eletrônica.

No final do semestre o esforço era tamanho, que a imagem que me vinha à cabeça sobre minha luta era a do salmão enfrentando cachoeiras na contra corrente. Mais de vinte anos se passaram, mas as sensações parecem de ontem...

Ainda com o cheiro de pêssego na mão eu dirigia de volta à casa, mas sem deixar de pensar no poder que alguns cheiros e sabores têm sobre nós.

Impossivel não lembrar do fantástico romance "No Caminho de Swann", de Marcel Proust. A obra traz uma das mais famosas passagens da literatura, quando o narrador come uma "madeleine" molhada no chá e vê sua consciência mergulhar involuntariamente no passado.



Ao sentir o sabor do bolo embebido no chá, ele é transportado para o passado, pois aquele era exatamente o mesmo gosto do pedaço de madeleine que a enferma tia Leonie lhe oferecia quando criança, na casa de Combray, cidade em que costumava passar as férias com os pais. Ao reconhecer o gosto da madeleine, toda Combray e seus arredores tomam forma e saem da taça de chá para o presente, vindo à tona junto com seus “eus” anteriores e todas as suas lembranças.

A partir de Proust penso na própria cidade de Combray, onde chegamos de carro, vindos da Normandia, e conseguimos já no final da tarde uma visita sem guia ao museu de Proust, incluindo um jardim sombreado, onde uma florzinha tinho cheiro de dama da noite, forte o suficiente para enjoar meu estômago...

Ainda a caminho de casa penso em tantos cheiros e sabores de nossa vida, vinculados a imagens do passado, sensações vivas, cheiros que são pura lembrança e emoção.

E penso como é forte a associação entre bons momentos e os sabores e cheiros que os marcaram...



Museu Marcel Proust em Illiers-Combray

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