quarta-feira, agosto 23, 2006

A ARTE DE SER AVÓ

Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo...

Cinquenta anos, cinquenta e cinco... Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem as suas alegrias, as suas compensações — todos dizem isto embora você pessoalmente, ainda não as tenha descoberto — mas acredita.

Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meus Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos que hoje são seus filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações, você não encontra de modo nenhum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aquelas crianças que você recorda.
E então um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis — aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho certeza que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis. Aliás, desconfio muito de que os netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos.

No entanto — no entanto! — nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, a rival: a mãe. Não importa que ela seja sua filha. Não deixa por isso de ser mãe do seu neto. Não importa que ela ensine o menino a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha", e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais.

Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante dos triângulos conjugais.

A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.

Já a avô, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto.
Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia.

Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer croquetes, tomar café — café! — mexer no armário da louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser e até fingir que está discando o telefone.

Riscar a parece com o lápis dizendo que foi sem querer — e ser acreditado! Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os braços da avó e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna.

Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém esses prazeres não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o olhar das outras avós, com os seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto.

E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz: "Vó!", seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.

E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que, se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade e apoio... Além é claro das compensações....

Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho — involuntariamente! — bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois, o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó?

Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague.


Texto de Raquel de Queiroz
Descoberto no momento de minhas reflexões como avó

15 comentários:

Anônimo disse...

Por acaso encontrei teu blog. Curioso saber que depois de tanto tempo sem postar eu consegui ler antes que muitos assíduos e locais. Bom era isso, fica com Deus...

Anônimo disse...

então sou outro dos "acasionais"... por coincidência hoje mesmo postei algo da Raquel. E na realidade vim parar aqui, por conta de outro link q nada tinha relação com o assunto. Mas, enfim, se não se importar, fica o convite pra visitar o http://www.ribeirao.org e até maio com felicidades como mãe também!

Anônimo disse...

Parabéns e um abraço carinhoso pra você.

Anônimo disse...

oi

Anônimo disse...

Amiga,
Que saudade de vocês! Hoje recebi um texto do Zadig e acabei chegando aqui. Parabéns pelo neto! Que ele venha fazer parte da sua vida com a leveza e alegria do texto da Rachel.
Beijo em todos,
Laurarj

Anônimo disse...

da

Gina disse...

Vovó, parabéns!!!!Apesar de ser um texto da Rachel de Queiroz, ele traduz o que eu sempre senti em vc e até pela sua posição vc tem o dever de esconder-nos(mesmo que sejam poucas às vezes que vc consegue)toda a docilidade e ternura que vc transmite.

Muitas felicidades vovó!!!!!!

Regina Fernandes

Unknown disse...

estou vivendo esta delicia de ser VÒ simto-me como se deus tivesse lembrado de mim.um novo filho assim o sinto......

Anônimo disse...

estou maravilhada com esse presente de deus,NETO sinto-me agraciadapela proprio sr.meu deus mandou-me o sr.LYNCON 8 meses e eu so na felicidade.mil beijos

Unknown disse...

Adorei este texto. Minha filha mais velha, Fernanda, e futura tia, me enviou este presente.Em agosto/2009 está prevista a chegada de João Vitor,(filho de Mariana) e nada melhor do que me preparar para este momento saboreando esta maravilhosa leitura.

Unknown disse...

Cadê vc que sumiu?
Ou melhor anda presente tão invisível quanto a saudade..

TA

Anônimo disse...

Adorei o texto, mandei pra minha nora e parece que entendeu como provocação.( Sempre admirei Rachel de Queiroz, e, por isso mesmo, achei bastante
estranho o teor desse texto... Como uma mulher que mal pôde vivenciar
a "arte de ser mãe" (pois sua única filha faleceu aos 18 meses)
poderia falar com propriedade sobre "a arte de ser avó"? Ou mesmo
sobre rivalidade entre mães e avós? Logo ela que sempre procurou
levar fatos históricos às suas obras???

Logo se vê que, quem escreveu esse texto não sabe o que é ser mãe,
nem avó... Afinal, amar não é fechar os olhos para os erros ou
defeitos de quem amamos e, sim, quando possível, procurar corrigi-los.
O papel da avó moderna vem mudando há algum tempo, já que ela,
diferentemente da avó do texto, ao invés de RIVAL, passou a ser mais
cúmplice dos pais, principalmente nos dias atuais, quando todos
estudamos ou trabalhamos e devemos educar nossos filhos ou netos para
que se tornem pessoas de bem, preparadas para um futuro repleto de
insegurança, no qual, de repende, pode-se perder tudo e ter que
recomeçar do zero.

Os pais de hoje também mudaram em alguns aspectos, procuram estar
mais perto dos seus filhos, brincar com eles, comprar doces juntos,
assistir aos seu filminhos favoritos... Conversam mais, ouvem mais...
Mas ainda precisam continuar ensinando aos filhos sobre o respeito ao
próximo, dar-lhes limites. Não falo os limites que tolhem, ou não
permitem à criança agir com tal, mas aquele limite que levaremos para
o resto da vida. Afinal, o meu direito acaba quando começa o do
próximo.

Como diz a minha mãe, "para nós, é um príncipe, mas, para o mundo,
é apenas mais um"... Deve ser bem frustrante para aquele serzinho que
tanto amamos perceber isso apenas na fase adulta, não é?! A realidade,
às vezes, é dura e nem sempre podemos ter ou fazer tudo o que
queremos. Por isso a preocupação constante dos pais e avós em mostrar
que os erros devem ser corrigidos e não repetidos, ensinando-lhes um
caminho legal através de bons exemplos. Tudo isso, lógico, com muito
amor!!! Amor e carinho sempre serão bem-vindos em qualquer fase das
nossas vidas, mesmo que sejamos adultos impertinentes ou velhinhos
rabujentos. Cada fase da vida tem a sua beleza e relevância e,
eventualmente, sentiremos saudades das coisas boas de cada uma delas.)

Parece não?

Anônimo disse...

Adorei o texto, mandei pra minha nora e parece que entendeu como provocação.( Sempre admirei Rachel de Queiroz, e, por isso mesmo, achei bastante
estranho o teor desse texto... Como uma mulher que mal pôde vivenciar
a "arte de ser mãe" (pois sua única filha faleceu aos 18 meses)
poderia falar com propriedade sobre "a arte de ser avó"? Ou mesmo
sobre rivalidade entre mães e avós? Logo ela que sempre procurou
levar fatos históricos às suas obras???

Logo se vê que, quem escreveu esse texto não sabe o que é ser mãe,
nem avó... Afinal, amar não é fechar os olhos para os erros ou
defeitos de quem amamos e, sim, quando possível, procurar corrigi-los.
O papel da avó moderna vem mudando há algum tempo, já que ela,
diferentemente da avó do texto, ao invés de RIVAL, passou a ser mais
cúmplice dos pais, principalmente nos dias atuais, quando todos
estudamos ou trabalhamos e devemos educar nossos filhos ou netos para
que se tornem pessoas de bem, preparadas para um futuro repleto de
insegurança, no qual, de repende, pode-se perder tudo e ter que
recomeçar do zero.

Os pais de hoje também mudaram em alguns aspectos, procuram estar
mais perto dos seus filhos, brincar com eles, comprar doces juntos,
assistir aos seu filminhos favoritos... Conversam mais, ouvem mais...
Mas ainda precisam continuar ensinando aos filhos sobre o respeito ao
próximo, dar-lhes limites. Não falo os limites que tolhem, ou não
permitem à criança agir com tal, mas aquele limite que levaremos para
o resto da vida. Afinal, o meu direito acaba quando começa o do
próximo.

Como diz a minha mãe, "para nós, é um príncipe, mas, para o mundo,
é apenas mais um"... Deve ser bem frustrante para aquele serzinho que
tanto amamos perceber isso apenas na fase adulta, não é?! A realidade,
às vezes, é dura e nem sempre podemos ter ou fazer tudo o que
queremos. Por isso a preocupação constante dos pais e avós em mostrar
que os erros devem ser corrigidos e não repetidos, ensinando-lhes um
caminho legal através de bons exemplos. Tudo isso, lógico, com muito
amor!!! Amor e carinho sempre serão bem-vindos em qualquer fase das
nossas vidas, mesmo que sejamos adultos impertinentes ou velhinhos
rabujentos. Cada fase da vida tem a sua beleza e relevância e,
eventualmente, sentiremos saudades das coisas boas de cada uma delas.)

Parece não?

CELIA disse...

TENHO UM NETO E UMA NETA, HÁ MOMENTOS Q AINDA NAO ME DEI CONTA Q SOU AVÓ, PQ PASSO POUCO TEMPO COM A LANNA PRISCILLA, E NENHUM TEMPO OOM O TONGU, MESMO ASSIM OS AMO DEMAIS, AINDA NAO CONSEGUI UMA DEFINAÇAO EM RELAÇAO SER AVÓ, MOMENTO PENSO Q SOU A MAE DO NETO Q RENOVEI O FILHO, MAS SINTO Q É MARAVILHOSO V A POSTERIDADE,OS AMO DEMAIS, TALVEZ NAO TENHA CONSEGUIDO EXPRESSAR O AMOR DE AVÓ, MAS ESPERO TER MUITO TEMPO PARA FAZER QUE OI SENHOR OS ABENÇOE,PQ O TEMPO E VELOZ E FOGE DE NOSSAS MÃOS.
OBRIGADO SENHOR PELA VIDA.

A VIDA DA GENTE disse...

Estava arás de uma definição para avó e achei esta.. perfeita !!!! Estou indo embora da casa de minha avó para uma cidade longe da que residia, para um recomeço de vida. Hà dias tentava encontrar algo para dizer à ela e só hoje encontrei. Achei o texto muito interessante e real... É uma pena que pessoas ainda pensem pequeno sobre estes presentes de Deus e, embora muitas coisas tenham mudado (como dito em comentários), somente quem tem uma avó como a minha ou é uma como ela é capaz de de perceber a verdadeira essência deste texto. Maravlihosamente perfeito...